Sunday, April 27, 2008

Um enigma profundo

Os principais marcos na história do pensamento sobre o mal

O mal na religião

• Todas as grandes religiões compreendem alguma força de desordem ou destruição – o Mal. A dualidade entre bem e mal foi provavelmente estabelecida pelo zoroastrismo, religião da antiga Pérsia que pode ter influído sobre o judaísmo e o cristianismo
• A primeira figura do mal na Bíblia é a serpente do Éden, que ocasiona a queda do homem. O Satã do Antigo Testamento ainda não é exatamente um opositor malévolo de Deus. No Livro de Jó, por exemplo, ele atua como uma espécie de promotor dos tribunais divinos. Jó é um homem bom e temente a Deus, que é atingido por uma série de catástrofes. Seu problema fundamental continuaria intrigando filósofos e teólogos por séculos: por que coisas más acontecem a pessoas boas?
• Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, os grandes filósofos do cristianismo, vêem a soberba humana como a raiz do mal e a graça divina como a fonte do bem. Agostinho admite que coisas ruins acontecem igualmente a pessoas boas e más, mas diz que é a atitude piedosa diante do infortúnio que faz a diferença

O mal da natureza
• Desastres naturais como o terremoto de Lisboa, em 1755, provocaram os filósofos a pensar sobre a possibilidade de o universo – ou Deus, seu criador – ser mau. O terremoto pôs em dúvida as idéias de filósofos como Gottfried Wilheim Leibniz, que havia postulado um universo organizado em torno do bem. Essa perspectiva otimista foi ironizada por Voltaire em seu livro Cândido
• O naturalista inglês Charles Darwin, pai da teoria da evolução, pôs em xeque a idéia de uma natureza projetada por um Deus bondoso. Ele lembrava o exemplo de uma vespa que paralisa outros insetos para que sejam comidos vivos por suas larvas. E conclui que um "Deus onipotente e benéfico" não teria criado um ser assim

O mal do homem
• Aristóteles dedica sua Ética a Nicômaco à perseguição da virtude, e estóicos como Epicteto pregavam a boa vida, reconciliada com o mundo tal como ele é. O mal, porém, não chegava a constituir um problema para a filosofia grega
• O pensador renascentista italiano Nicolau Maquiavel inaugura, em seu clássico O Príncipe, uma perspectiva pragmática do bem e do mal: o governante deve, em certas ocasiões, ignorar os preceitos morais e até praticar o mal para se manter no poder
• Em uma de suas últimas obras, A Religião nos Limites da Simples Razão, o filósofo alemão Immanuel Kant examinou a vontade maligna do ser humano, que ele chamou de "mal radical"
• No século XIX, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche tentou transcender o bem e o mal em sua filosofia, idealizando um "super-homem" que estaria além de qualquer moral. A obra de Nietzsche não pode ser confundida com uma defesa do mal – mas ele era um crítico feroz dos valores cristãos
• Depois da II Guerra Mundial, o trauma político do holocausto nazista trouxe uma nova imagem do mal. Influenciada pela idéia de "maldade radical" de Kant, a filósofa Hannah Arendt diagnosticou a "banalidade do mal" do totalitarismo, cujas políticas perversas são decididas com frieza burocrática
• Na segunda metade do século XX, a psicologia social tem estudado como certas organizações coletivas – um partido político, um grupo armado – podem induzir pessoas comuns a cometer atos monstruosos. Na última década, a neurociência vem obtendo avanços no mapeamento cerebral dos psicopatas, indivíduos que não têm decisões morais
REVISTA VEJA - Edição 2055 - 09 de Abril de 2008

Wednesday, April 16, 2008

Uma breve história do sexo no Ocidente

Antiguidade (4 000 a.C. ao século V)

Por estar ligado a rituais de fecundidade e dionisíacos (caso das Bacantes), o sexo era visto com naturalidade pelos antigos – embora a liberdade para praticá-lo (com jovens do mesmo sexo, esposas, amantes e escravas) fosse muito maior entre os homens do que entre as mulheres. A imagem do falo, tanto na Grécia quanto em Roma, enfeitava amuletos e decorava fachadas de casas, como símbolo de poder e virilidade.


Idade Média (século V ao XV)

O obscurantismo medieval e o rigor da moral cristã no período impregnavam o sexo de culpa e pecado. Aos que pretendiam salvar sua alma, recomendava-se a abstinência – ou o casamento. Dizia São Paulo: "Se não podem conter-se, casem-se. Melhor casar do que abrasar-se". Mesmo quando praticado com fins reprodutivos, o sexo estava sujeito a tantas regulamentações religiosas (era proibido antes da comunhão, durante a gestação, em determinado período do mês etc.) que sobravam poucos dias para a sua prática autorizada.


Idade Moderna (século XV ao XVIII)

A repressão religiosa se aprofunda até o século XVIII, quando às transformações políticas e sociais provocadas pela Revolução Francesa se soma a degeneração moral conseqüente da miséria e da violência que toma conta das ruas. A libertinagem e a perversão sexual, expressas na literatura por meio de autores como Marquês de Sade, são o reflexo dessa perda de valores. Busca-se incessantemente o prazer, ainda que à custa da dor.


Renascimento (século XIII ao XVI)

A arte torna-se a depositária do erotismo e do desejo, que, na vida real, continuam reprimidos. Os quadros exibem corpos voluptuosos e decotes profundos e a literatura explora os fetiches masculinos ao destacar objetos como lenços, leques e meias femininas. Nos romances, predomina a idéia do "amor-paixão" – a relação cheia de obstáculos e sofrimentos, cuja consumação carnal deve ser punida, como em Tristão e Isolda.


Idade Contemporânea (século XVIII até hoje)

O período que passou pelo puritanismo da era vitoriana e pelas crenças da medicina pré-científica – segundo a qual o sexo "em excesso" e a masturbação podiam conduzir à loucura – viu avançar no século XX a psicanálise e o feminismo e surgir a pílula anticoncepcional. Estava aberto o caminho para a revolução sexual, cujos princípios, como o do "direito ao prazer", ecoam até hoje.


Fontes: Denise Sant’anna (PUC-SP), Mary Del Priore e Pedro Paulo Funari (Unicamp), Historiadores; Mirian Goldenberg (UFRJ), antropóloga; Jerusa Figueiredo (UnB), sexóloga; e Maria do Carmo Silva (UFRJ), psicóloga

Tuesday, April 15, 2008

TODAS AS NOITES SÃO IGUAIS

Confesso que tenho um certo preconceito em relação aos homens que conheço na balada. Não sei se sempre fui assim, mas hoje, eu sinto-me em vitrine viva, onde figurinhas carimbadas tornam-se peças encalhadas de uma grande ponta de estoque.
Sábado à noite, três aniversários, balada pesada, gente animada, liquido “embelezante” em abundancia, boas risadas, fotos e algumas histórias.

Logo na balsa, Shania Twain no talo, “Let’s go, girls”? A motorista, que podemos identificar como a narradora, resolveu sentar no banco de passageiro esperando que o carro andasse sozinho! Claro, que toda turma tem uma amiga descente que não bebe pra salvar a Pátria, e por sorte minha e azar da amiga, esta tinha resolvido sair naquela noite pra exorcizar a tristeza pelo fim de sua história de amor (acho que é por isso que dizem que Deus escreve certo por linhas tortas)!

Estacionado o carro, há certo espanto dos demais em relação ao volume da minha voz. Imperceptível pra mim, mas bem notável aos tímpanos alheios (bebidas alcoólicas normalmente causam-me certa surdes). Como quem tem amigos, jamais está sozinho, alguns resolveram respeitar o momento "gralha”, enquanto que os demais, ou debandaram ou aderiram ao movimento.

Adentro o recinto, animada, feliz e alguns minutos depois, já no camarote, descubro que sou uma grande fã do funk, axé e pagode, pois minha desenvoltura corporal tem uma melhora de 75% e eu sou praticamente a ruiva do Tchan (sem a mesma bunda, remelexo e cabelos esvoaçantes, claro!!).
E no meio de tanta gente eu encontrei vocêeeeeeeeeeeeeeeeeee!!! Sim, a bola da vez, que certamente pensa que eu sou "A Meretriz Balzaquiana", já que resolvi dar uma de mulher fatal e desencanada, dividindo com ele meus pensamentos mais íntimos!! (só o chamei de prostituto! Ele não precisa saber que pensei nele antes de dormir algumas noites, que sou romântica, fiel, amiga, carinhosa e sincera!!)
Os próximos minutos seguiram sem muitas complicações, exceto por um copo de whisky derrubado, uma pisada no pé da menina "mala", dois copos de caipiroska e o início de um diálogo com um rapaz simpático e falante:
- Qual o seu nome?
- Heeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeein?
- Seu nome! (gritando)
- Ah! É Layla!!!! E o seu??
- Lucas (Na verdade eu não me lembro!!!)
- Ah!! Legal!!! Ai meeeeu, vamos descer? Muito barulho aqui, não te entendo!!!
- Claro!!!
Descemos, sentamos e eu senti-me no cenário de Alice no País das Maravilhas onde vários objetos dançantes, mostravam sua personalidade e vida própria.
- Então, eu sou médico, trabalho na zazaza, tenho ampla xperiência em...zazazazaza
- É?? Ah!
Enquanto isso, a mistura de todas aquelas bebidas fermentava na minha goela, em uma busca insana para explorar o mundo exterior.
- Eu adoro filmes de arte, aliás, ia assistir um hoje, mas meu amigo me...
- Fantástico!!! Eu gosto também! Mas o que você faz? Conta!!
- VOU PEGAR UMA COCA!!!
Infelizmente, a maldita vodca não cessava em falar comigo, e o primeiro gole de coca foi tudo o que precisava para dar-lhe a tão esperada alforria. Corri pro banheiro, colori a cerâmica enquanto aquele líquido viscoso e nojento celebrava sua liberdade!

Sentia-me mais leve, entretanto, o mundo ainda dançava ao meu redor e o menino, ai, o menino, coitado!!! Ele resolveu tentar o golpe de misericórdia, enquanto eu pensava com meus botões: “estou levemente embriagada e este menino vai me zoar! Que espécie de cara fica com uma menina que acabou de vomitar??? Bla, bla, bla. blá”. Mas a negociação perdeu seu ritmo, pois ele me puxou pela mão pra falar com a dupla com quem completava um distinto trio! Claro que tudo na minha vida é uma grande piada e ele havia ido com ninguém menos que o personagem descrito no parágrafo acima.
Neste momento, minha mente deturpada e insana começa a articular uma pequena grande vingança por aquele ato malvado do destino (ou sacanagem de filho da puta de turma). Fiz o cara cuidar de mim quase que o resto da noite inteira sem sequer dar-lhe um beijo no rosto, exceto na hora da despedida, e foi tudo o que ele recebeu de salário por passar parte de seu tempo na balada tentando ficar com uma mulher fora de eu juízo real.

Acho que o menino desencanou, eu desencanei, relaxei e terminei minha noite em um carrinho de pastel, comendo pão com carne moída! O sol já brilhava e tive que dirigir de óculos escuros pra não ferir os olhos, levemente acostumados com o breu da noite, e ninguém ver que eu tinha lápis e sombra nos olhos ao dar de cara com minha mãe se preparando pra ir à missa.

O menino pegou meu telefone, mas não me ligou para sairmos. Sinto-me mais aliviada, já que além de ter um saldo negativo de anos em relação a mim, se não me engano, ele tinha espinhas no rosto.

Estava refletindo e não sei qual foi o momento exato em que perdi a credibilidade nos baladeiros de plantão, mas eu creio que é bem certo que são atitudes como a que tive neste final de semana, que fazem os meninos perderem a crença nas meninas...que pena!!
Moral da história: de hoje em diante, só vão furar suco de limão sem açúcar na minha comanda! Pois este é bom, barato, dietético e não causa alucinações de objetos que dançam!!!!
NOTA DA AUTORA: NÃO ESTRANHE SE LER ESTA CRÔNICA E IDENTIFICAR-SE COM ALGUM DOS PERSONAGENS, AFINAL DE CONTAS, TODA FICÇÃO, TEM UM FUNDO DE VERDADE. PORÉM, IMPORTANTE RESSALTAR QUE AS SITUAÇÕES FORAM AUMENTADAS.

Monday, April 07, 2008

A minha enxaqueca - Diogo Mainardi

"O aspecto que mais me intrigou nos relatos sobrea enxaqueca é que gente de talento conseguiu transformar o sofrimento debilitante em literatura, em arte, em filosofia. O segundo aspecto foi seu exato oposto: como eu nunca tirei nada do sofrimento, como eu sou um macaco"


Eu sofro de enxaqueca. Oliver Sacks sofre de enxaqueca. Lewis Carroll sofria de enxaqueca. Isso é o que a gente tem em comum. O que muda radicalmente é a forma de reagir aos sintomas. Oliver Sacks usou sua enxaqueca para refletir sobre a geometria neural. Lewis Carroll inspirou-se em sua enxaqueca para imaginar Alice no País das Maravilhas, com a protagonista que cresce e encolhe. Eu, quando tenho um ataque, limito-me a cambalear até o banheiro, abrir a torneira da pia e engolir um comprimido de cloridrato de naratriptana. É raro conseguir delinear com tanta clareza a diferença entre a mentalidade científica (Oliver Sacks), a mentalidade artística (Lewis Carroll) e a mentalidade simiesca (Eu).

O New York Times tem um blog sobre enxaqueca. Oliver Sacks é um de seus cinco colaboradores. Ele se interessa particularmente pelos delírios visuais produzidos pela enfermidade. Compara-os aos mosaicos árabes. Há também quem os compare à arte pontilhista de Georges Seurat, outro enxaquecoso ilustre. Segundo Oliver Sacks, as figuras geométricas que perturbam a vista, durante os acessos de enxaqueca, refletem uma espécie de faxina que ocorre no córtex cerebral, quando todo o conhecimento adquirido é guardado no devido lugar: as meias escuras na gaveta de cima, as camisas azuis penduradas nos cabides, as calças apertadas na cintura separadas para dar ao zelador. A teoria de Oliver Sacks é que as células cerebrais se reorganizam simetricamente, e que essa simetria celular corresponde aos nossos conceitos mais elementares de beleza.

Eu sou um neófito da enxaqueca. Meu primeiro ataque aconteceu apenas dois anos atrás. Foi igual ao da maioria das pessoas: dor paralisante de um lado do rosto, náusea, sensibilidade ao ruído, formas geométricas piscando nos olhos. Naturalmente, fui ler sobre o assunto. Olha Nietzsche entrando no sanatório para tratar da enxaqueca! Olha Nietzsche passeando no Lago Maggiore para se distrair da enxaqueca! Olha Nietzsche comentando a enxaqueca em Ecce homo! O aspecto que mais me intrigou nos relatos sobre a moléstia foi aquele que já adiantei no primeiro parágrafo: como tanta gente de talento conseguiu transformar o sofrimento debilitante em literatura, em arte, em filosofia. O segundo aspecto que mais me intrigou foi seu exato oposto: como eu nunca tirei nada do sofrimento, como eu sou um macaco.

Num tempo dominado pela mais absoluta demagogia intelectual, em que todas as idéias parecem se equivaler, em que qualquer macaco pode abrir um blog e opinar sobre Lewis Carroll e Georges Seurat, a história da enxaqueca ajuda a restabelecer alguns valores. Ela dá ordem e simetria ao pensamento humano, como acontece, em escala microscópica, com as células cerebrais, de acordo com a teoria de Oliver Sacks. Meias escuras na gaveta de cima. Camisas azuis penduradas nos cabides.